1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Junho de 2023:
Queridos amigos,
O Tenente Costa Oliveira estava muito longe de ser um ilustre desconhecido na Guiné. Antes de ser nomeado comissário para a demarcação das fronteiras, o que ocorreu em 1888, acompanhara as obras do presídio de Bolor e, como se verá num texto posterior, trabalhou a cartografia da Guiné, dedicou mesmo um artigo sobre a matéria ao seu amigo Luciano Cordeiro. O que ele descreve em jeito de considerações finais e conclusão, e que dita o final do seu trabalho, que aqui se resumiu, tem muita matéria para reflexão, fica-nos mesmo a impressão de que se estava a candidatar a governador: pronuncia-se sobre os efetivos militares indispensáveis para manter os indígenas a respeito, propõe mesmo embarcações à prova de bala, é a favor da mudança da capital para Bissau, sugere concretamente nomes de locais a ocupar, antevê a prosperidade económica da colónia na cultura do amendoim. E nas conclusões emite mesmo um juízo drástico: a Guiné ou é rica ou não é, ou se aposta no seu florescimento ou ela continuará a ser um sorvedouro de dinheiros e um matadouro de funcionários - neste caso o melhor é ofertá-la à França, é potência próspera, está ali mesmo à volta, será perda indolor. Para que conste, também assim se pensava em 1888
Um abraço do
Mário
Um documento assombroso: "Viagem à Guiné Portugueza", por Costa Oliveira (7)
Mário Beja Santos
O Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, 8ª série, números 11 e 12, 1888-1889, acolhe um documento de grande valor histórico intitulado “Viagem à Guiné Portugueza”, o seu autor é E. J. da Costa Oliveira, Oficial da Armada Real, Comissário do Governo para a delimitação das possessões franco-portuguesas da costa ocidental de África.
As suas observações decorrem do facto de ser um conhecedor da realidade guineense, anteriormente a esta missão da demarcação de fronteiras já estivera na Guiné. Agora as suas considerações são tanto de caráter político-militar como deixa explicitamente recados ao modelo de desenvolvimento do território que muda em Portugal a imagem da colónia. Em termos militares dirá coisas como esta:
“Geba, Farim e Cacheu são Praças de guerra só no nome, pois com as suas muralhas rotas, peças de ferro em deplorável estado e apeadas, guarnecidas por meia dúzia de soldados indisciplinados e mal-armados, estão completamente à mercê do gentio, admirando-nos até como o nosso prestígio, e não outra coisa, tem contido em respeito as tribos próximas.”
Reportando-se à natureza das embarcações indispensáveis para a navegabilidade dos rios, escreve:
“Permitam-me agora descrever rapidamente as lanchas que conviriam ao serviço da Guiné, devem satisfazer as seguintes condições:
Nas considerações gerais, dá prioridade à escolha da capital da província, é contrário à opinião que a capital esteja no rio Grande de Bolola, é a favor de Bissau, e explica porquê:
“Está situada no ponto mais central da província e na embocadura do rio Geba, de cujas margens e dos sertões por onde corre se deve esperar toda a prosperidade da colónia; tem um porto excelente e de fácil acesso para navios de grandes dimensões e tonelagens, com um ilhéu fronteiro, o ilhéu do Rei, de salubridade incontestável e cuja situação eminentemente favorável deve ser aproveitada para se construir ali o sanitarium, enfermaria militar, aquartelamentos, etc.; com outro ilhéu próximo, o de Bandim, onde se deve instalar o lazareto.”
Há alguns aspetos curiosos das suas sugestões, por exemplo:
“Em Cacheu ou Buba fabricava-se tijolo e telha. Julgamos indispensável fazer renascer essa indústria para acudir às necessidades da província. Todos sabem que nos plainos da Guiné não há pedra; mas a Holanda também a não tem, e o tijolo é quem a substitui até nos passeios laterais de algumas ruas de cidades formosas e importantes. Também se nos afigura convenientíssimo montar em Cacheu uma serração de madeiras.
Mas o Tenente da Armada Real não se fica por aqui. Tem opiniões próprias sobre as alfândegas, a Capitania dos Portos, as missões, as cadeias, os hospitais e enfermarias, o dispositivo militar. Não se compadece com a míngua do que existe na agricultura, indústria e comércio, é a favor de todo o apoio à cultura da mancarra, mas também da purgueira, cana do açúcar, tabaco e algodão. Recorda que no anexo do seu relatório vem o traçado completo da delimitação do território tal como foi definido pela convenção luso-francesa. Recorda a quem o lê que se impõe atuar em continuidade para que haja paz no território, e escreve:
“Para tranquilidade da Guiné, e para se poder desenvolver agrícola e comercialmente, deve o chefe da província obstar por todos os meios ao seu alcance, incluindo os da força, às guerras entre as tribos que povoam o território chamado português. Desde que se delimitaram as fronteiras da província, as suas condições políticas mudaram consideravelmente; por exemplo, outrora não convinha por forma alguma intrometermo-nos na política gentílica, atualmente é uma necessidade. Os Fulas ocupam há muito terrenos pertencentes aos Biafadas; o bom senso aconselha que se convide Mamadu Paté, atual chefe do Forreá, a abandoná-los, e como esta ocupação não se poderá fazer sem Mudi-Yaiá pugnar os seus imaginários direitos sobre aquele território, será conveniente ouvir a França que também deve desejar fazer iguais arranjos.”
E chegamos assim às conclusões:
Em suma, não se pode dizer que este documento escrito por quem foi não tem algo de profético e ressuma uma mentalidade muito própria do seu tempo, um olha imperial onde não falta o empirismo, o conhecimento científico e um inequívoco fervor, apostando no futuro da Guiné. Resta esclarecer o leitor que voltaremos a Costa Oliveira e a um outro importante documento, a cartografia da Guiné.
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Nota do editor
Último post da série de 14 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25172: Historiografia da presença portuguesa em África (409): Um documento assombroso: "Viagem à Guiné Portugueza", por Costa Oliveira (6) (Mário Beja Santos)